Tem um ditado popular que diz que só nos lembramos de Santa Bárbara quando ronca a trovoada. Com o perdão da má palavra ou da má frase, gostaria de fazer uma analogia com o que vem ocorrendo no Judiciário, no Executivo e no Legislativo no que concerne às medidas que vêm sendo tomadas para endurecer as penas previstas na legislação vigente, face ao aumento do número de acidentes de trânsito, em grande medida pelo uso e abuso de álcool, com números estarrecedores de feridos, mutilados e/ou mortos.
Esses números, infelizmente, são eminentemente díspares entre os órgãos que tratam dessa matéria. Vão de 30 mil a 60 mil, por exemplo, os números de mortos em acidentes de trânsito, um dos maiores problemas em termos de prepararem-se políticas públicas para enfrentá-los. Os mais baixos são aqueles que só consideram aqueles que morrem nos locais dos acidentes e os mais altos, como os do DPVAT – Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre, mais verdadeiros, porque levam em consideração aqueles que apesar de não morrerem nos locais vão morrer nos hospitais em razão dos acidentes de que foram vítimas.
Pois bem, diante dessa tragédia anunciada, que venho alardeando há quase três anos, com os “números oficiais” em torno de 40 mil mortos anuais, no fim de setembro de 2011, cinco ministros do STF – Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, rejeitaram um habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União, em relação a um motorista de Araxá, Minas Gerais, denunciado por dirigir embriagado. O ministro Ricardo Lewandoviski, citando precedente da ministra Ellen Gracie disse que é irrelevante indagar se o comportamento do motorista embriagado atingiu ou não algum bem. Acrescentou o ministro: “É como o porte de armas. Não é preciso que alguém pratique efetivamente um ilícito com emprego da arma. O simples porte constitui crime de perigo abstrato porque outros bens estão em jogo”.
A Comissão de Constituição e Justiça do Senado, apreciando o Projeto de Lei n. 48/2011, de autoria do Senador Ricardo Ferraço, que endurece as penas para os condutores de veículos que dirigem alcoolizados, causando mortes (de 10 a 16 anos de prisão); lesões gravíssimas (8 a 12 anos); lesões graves (3 a 8 anos); lesões leves (1 a 4 anos) e apenas dirigindo sob o efeito do álcool (6 meses a 3 anos de reclusão), aprovou-o em 9 de novembro de 2011 e encaminhou-o à Câmara dos Deputados.
O projeto em questão, com as emendas que lhe foram oferecidas, prevê também testemunhos, imagens, vídeos, exames clínicos, como provas de evidências possíveis para a comprovação do estado de embriaguez de um condutor de veículo.
Pela nova lei, deixaria de existir o limite de 6 decigramas por litro de álcool na corrente sanguínea de uma pessoa para comprovação. Outra mudança é que a multa atual seria dobrada, passando de R$ 957,70 para R$ 1.915,30. Em caso de reincidência do condutor embriagado, o valor passaria para R$ 3.830. Pela legislação atual, o condutor alcoolizado tem a suspensão do direito de dirigir por um ano. Essa punição na nova lei passaria para 2 anos.
A Previdência Social, através do INSS, vai utilizar ações regressivas para reaver despesas decorrentes de acidentes de trânsito, por eventuais benefícios que o órgão tenha que pagar às vítimas ou aos seus familiares.
Concordo plenamente com o endurecimento das penalidades, mas peço vênia para descrer que as mesmas possam ao longo do tempo diminuir os acidentes de trânsito. Podem, num primeiro momento, sob o impacto da nova lei, diminuí-los, como aconteceu com a Lei Federal n. 11.705, de 19 de junho de 2008, para, depois, voltar tudo a estaca zero.
O que diminui o número de acidentes de trânsito e, consequentemente salva vidas, não são as leis. O que salva vidas são as políticas públicas que lhes dão eficácia, como foi o caso da Operação Lei Seca deflagrada no Estado do Rio de Janeiro, em 19 de março de 2009, e que ao longo de 33 meses ininterruptos, com ações todos os dias da semana, vem reduzindo drasticamente o número de acidentes de trânsito; política pública formulada por mim e pela equipe da Secretaria de Estado de Governo, da qual tive o privilégio de ser o seu coordenador geral durante 2 anos e que hoje já vem sendo implementada em 11 estados da federação brasileira.
Tão ou mais importante do que a punição, decorrente da fiscalização intensiva, deve ser a conscientização, a educação, a sensibilização da população, para mostrar que não é mais possível perder-se anualmente 60 mil vidas; ter-se 500 mil feridos; 230 mil internações hospitalares; 140 mil mutilados, gastos da ordem de R$ 40 bilhões, com despesas médico-hospitalares, judiciais, de seguros e previdenciárias, sem falar-se na dilaceração das famílias que perdem os seus entes queridos.
Quem viver verá.